quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

CLASSE C AINDA ENFRENTA RESISTÊNCIA E PRECONCEITO DE EMPRESAS

Pesquisa realizada, a pedido da Folha de SP, pelo Instituto Data Popular, especializado em segmento de baixa renda, mostra que sete em cada dez empresas que atuam no mercado popular admitem existir algum tipo de preconceito ou resistência interna em suas organizações para atender a esse tipo de consumidor. Apenas 20% dos profissionais consideram estar de fato preparados para fazer negócios em um mercado que movimenta cerca de R$ 900 bilhões, se considerada somente a massa de renda dos brasileiros das classes C (com renda familiar de 3 a 10 salários mínimos) e D (1 a 3).
No levantamento foram ouvidos 117 executivos, em cargos de comando, de cem empresas com faturamento anual a partir de R$ 100 milhões e que já oferecem produtos e serviços para a nova classe média.
A falta de conhecimento (33,8%) e a comunicação (27,3) inadequada são apontadas como as principais dificuldades para atingir o mercado em ascensão. Falar a língua desse consumidor ainda não é fácil. Para 69% dos entrevistados, os fornecedores de serviços de marketing entendem pouco ou nada sobre a baixa renda, o que dificulta a aproximação com esse público.
O discurso aplicado no mundo corporativo não fala a mesma língua do consumidor popular, logo, não adianta baixar os preços, diminuir a embalagem ou piorar a qualidade dos produtos salienta Renato Meirelles, sócio e diretor do instituto.
A linguagem utilizada para esse target ainda causa ruídos nos elementos de comunicação. Uma das atividades enfrentadas pelo marketing – publicidade e propaganda esta na dificuldade de aproximação cultural e conceitual.
Embora não façamos uma nítida distinção entre os termos, convencer e persuadir, vistos como sinônimos é possível estabelecer uma distinção entre os dois atos. O primeiro identifica-se unicamente com a razão, alicerçando-se num raciocínio lógico representado por meio de provas objetivas, enquanto o segundo dirige-se à vontade, ao sentimento do interlocutor (ou interlocutores), por meio de argumentos plausíveis ou verossímeis, isto é, semelhante à verdade.
A linguagem pode ser analisada e estudada a partir da filosofia, especificamente no discurso aristotélico com a finalidade de convencer, capaz de atingir um “auditório universal” devido ao seu caráter demonstrativo, objetivo e atemporal, e, nesse caso, as conclusões decorreriam naturalmente das afirmações iniciais, como é próprio do raciocínio matemático ou dedutivo; já o ato de persuadir tem como alvo um “auditório particular” e caracteriza-se por ser ideológico, subjetivo e temporal. Convencer conduz a certezas; persuadir suscita inferências que podem levar o auditório (o leitor/ouvinte, o consumidor), ou parte dele, à adesão aos argumentos apresentados.
Pode-se dizer, portanto, que a publicidade é eminentemente persuasiva, pois procura levar um interlocutor a praticar um determinado ato. O discurso publicitário quase sempre apela mais à subjetividade do que ao julgamento “frio” do público; a adesão do público-alvo ao argumento do texto publicitário é resultado de um conjunto de elementos que não depende apenas da qualidade inerente de um produto. Para a construção do discurso persuasivo, os textos publicitários utilizam-se de diferentes estratégias argumentativas:
a) Provas concretas
É bastante freqüente o uso dessa estratégia em peças publicitárias; afinal a venda de um produto adquire mais validade quando devidamente demonstrada, através de imagens, de dados estatísticos, de descrição de detalhes do produto ou serviço, de imagens comparativas entre uma dada situação antes e outra depois. Como exemplo, citemos aqueles comerciais de produtos emagrecedores ou de combate à calvície em que sempre aparece uma pessoa obesa e, na seqüência, essa mesma pessoa surge com um corpo de fazer inveja a qualquer um. A despeito do tom cômico que estes comerciais possam sugerir o fato é que a estratégia revela-se interessante, considerando o poder comprobatório apresentado em tais comparações. Também outros tipos de comerciais, com linguagem menos cansativa, adotam estratégia semelhante, como os de sabão em pó, em que é comum mostrar uma primeira cena com crianças sujando a roupa, e uma outra cena em que as mesmas crianças aparecem com a roupa limpa graças ao poder de limpeza do sabão em pó em questão.
Em algumas situações, a evocação do concreto ocorre pela narração de fatos ou descrição de lugares, pessoas ou coisas. Considerando que o recurso à abstração e a noções genéricas dificulta o uso da imaginação por parte do ouvinte/leitor (consumidor), tornam-se muitas vezes necessárias tanto a narração quanto a descrição remetendo o texto a algo concreto, que exemplifique aquilo que se está afirmando. É o caso do texto abaixo, em que uma dona de casa dá um depoimento de uma situação prosaica, banal, como se estivesse narrando uma situação possível, além de descrever uma cozinha igualmente verossímil.
b) Argumento de autoridade
Essa estratégia é utilizada quando se recorre a um especialista em determinada área para ajudar a vender um produto, um serviço ou uma idéia. Assim, se para vender uma escova ou creme dental, o anunciante afirma tratar-se de um produto recomendado pela Associação de Odontologia, ou se um fabricante de rações para animais domésticos diz ser o produto dele o preferido por veterinários e por criadores/tratadores de animais, teremos argumentos de autoridade. Da mesma forma, quando em um anúncio de sabão em pó afirma-se ter sido o produto testado por laboratórios renomados mais uma vez haverá a presença da estratégia argumentativa baseada na fala de uma autoridade intelectual.
c) Testemunho autorizado
Há uma semelhança com a estratégia anterior, pois em ambas temos uma declaração de alguém que diz ter utilizado o produto anunciado. Neste caso, porém, os depoimentos são dados por pessoas comuns, não necessariamente especialistas em determinada área do conhecimento. Assim, quando uma dona de casa pode declarar ter utilizado uma marca de sabão em pó específica ou utilizado um produto qualquer à própria família, seu testemunho ganha em autenticidade, é autorizado pelo uso, pela experiência com o produto em questão. Esse recurso argumentativo é utilizado também quando um anunciante recorre a celebridades atuantes na mídia, artistas, esportistas entre outros. Neste caso em específico, é possível mesclar a estratégia à anterior, quando, por exemplo, um jogador de futebol anuncia uma determinada marca de calçado. É evidente que faz isso pela experiência, mas também por ser um especialista. A lógica de se recorrer a uma pessoa famosa é levar o consumidor comum a agir conforme as ações daquele por quem se nutre uma admiração, ou daquele a quem se deseja seguir os passos. Há também um outro raciocínio: é como se dissesse o seguinte: ela, que é uma pessoa famosa e não quer nem pode manchar a imagem pública, usa nosso produto, você, que é desconhecido, pode usar sem susto.
d) Axioma
Com o significado de ”verdade absoluta”, ou seja, uma afirmação de caráter incontestável, válida não importa onde, não importa quando. É claro que há em toda a verdade um componente negativo, mas aqui não é o espaço para uma discussão sobre a questão. O ponto que nos interessa é chamar a atenção para o uso que faz o discurso publicitário das afirmações axiomáticas. Evidentemente, que toda verdade de um texto, de um produto, pode ser contestada pela verdade de outro texto ou produto. No entanto, a fim de que o texto, a afirmação ganhe caráter persuasivo, é preciso que seja construída de maneira taxativa, peremptória. Um exemplo: qual das duas afirmações tem mais força: “Sempre Coca-cola” ou “Coca-cola de vez em quando”? Certamente a primeira. Pode-se dizer, pois, que boa parte dos slogans são construídos de modo axiomático, uma vez que procuram expressar uma visão de tal produto como o melhor. As operadoras de telefonia celular, normalmente procuram convencer o cliente com o mesmo slogan: o melhor serviço com as menores tarifas. Para se chegar à conclusão de qual teria razão depende de uma análise comparativa, mas para efeito persuasivo a estratégia utilizada é semelhante ou a mesma.Outros slogans: “Ômega: absoluto”; “Sempre o menor preço”.
e) A escolha das palavras não pode ser “neutra”
No discurso publicitário, a escolha das palavras devem ser revestidas de todo cuidado possível; as palavras devem “motivar”, criar uma rede de associações coletivas e individuais de forte apelo, cujo impacto pode ser decisivo no processo de persuasão/convencimento. As palavras devem traduzir uma visão positiva do produto anunciado; ainda que repetidos, clicherizados, termos como inesquecível, promoção, desconto, sucesso, beleza, satisfação, melhor, maior causam impacto em uma mensagem. É o que acontece em um slogan como “Seleção de preços baixos”, além do tom axiomático, termos como seleção e preço baixo são apelativas, uma vez que transmitem idéia positiva, afinal seleção transmite sensação de os melhores (produtos, preços).
f) Argumentação lógica, pragmática
O argumento pragmático é aquele que permite considerar um ato ou um acontecimento de acordo com suas conseqüências favoráveis ou desfavoráveis. Em outras palavras, trata-se de estabelecer uma relação lógica entre causa e efeito, causa e conseqüências.
Muitas das instituições bancárias se apropriam do uso do raciocínio lógico para transmitir ideia de segurança e rentabilidade. É como se dissessem: “Quer multiplicar seu dinheiro? Aplique nos fundos do Banco Alegria.” – ou seja, se o consumidor que almeja atingir resultados (efeitos) positivos, acaba por aderir tal discurso.
Apesar de que as estratégias não são as únicas, apenas as mais comuns no universo publicitário, nos diferentes canais, como televisão, rádio, outdoor, revista, jornal, folhetos, folders, internet, entre outras. É preciso lembrar que a estratégia argumentativa, qualquer que seja ela, não é a única determinante que fará o consumidor adquirir um produto. Outros aspectos influem na decisão final do indivíduo: preço, aparência da embalagem, facilidade de aquisição, pós-venda e principalmente no que tange a pesquisa etnográfica (perfil do consumidor, hábitos e níveis culturais). Outro ponto importante é que um mesmo produto, ou uma mesma peça publicitária, pode fazer uso de diferentes estratégias argumentativas. Por exemplo, uma campanha de sabão em pó pode mesclar em diversas estratégias de comunicação que vai desde a segmentação da target até a identidade que deseja assumir perante o mercado.
Um bom exemplo de superação, esta nas três maiores redes de supermercado do país – Pão de Açúcar, Carrefour e Walmart, que irão destinar cerca de R$ 6,3 bilhões de investimentos para este ano de 2011, com a finalidade de expandir os negócios voltados para as classes C e D.
Mais que discursos e argumentações lingüísticas na redação publicitária, existem por partes dessas empresas cuidados estratégicos em marketing. Não só de Produto, Preço e Promoção vivem a produção e a recepção. Neste caso, o destaque também é inserido na Praça, a famosa distribuição. O consumidor emergente também possui um alto grau de exigência. Chega a loja informado sobre as ações de marketing. Desta forma, as redes varejistas estão investindo também na estrutura física, no atendimento, nos serviços, na ambientação do lugar e na variedade de produtos.
O Grupo Pão de Açúcar esta transformando 150 lojas CompreBem (antigo Barateiro) e Sendas em Extra supermercados. Um novo modelo de supermercado de bairro, apesar de ser mais compacto do que o hipermercado, as lojas deverão oferecer uma grande gama de serviços, de acordo com a demanda mercadológica. O visual seguirá um padrão universal, sem diferenciações, pois a classe baixa não concorda com esses rótulos divisórios.
Desta forma, entendemos que a comunicação é um campo das ciências sociais que esta sempre em construção, regras são regras, mas ajustes e adequações são importantes para a confecção de uma permanência no mercado consumidor.

Fontes:Folha de SP, Caderno Mercado, 13/07/2010 e 04/01/2011
Referências Bibliográficas:
. BARRETO, Roberto Menna. Análise transacional da propaganda. S. Paulo: Summus, 1981.
. BARROS, Diana L. Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo : Ática,1996.
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. CARVALHO, Nelly de. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo : Ática, 1996.
. CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. 6ª ed., São Paulo : Ática, 1991.
. DIAS DE MELO, Luiz Roberto & PAGNAN, Celso L. Prática de texto: leitura e redação. 3ª ed., S. Paulo : W3 editora, 2001.
GUIMARÃES, Eduardo. Texto e argumentação. Campinas : Pontes, 198
M ARTINS, Jorge S. Redação publicitária: teoria e prática. 2ª ed., S. Paulo: Atlas, 1997.
. PERELMAN, Chaïm & OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo : Martins Fontes, 1999.

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